domingo, 4 de março de 2012

Pescador


Quem me explica essa saudade? Que o pescador que lança uma rede no mar sente ao ver o Sol poente e chora de tristeza pelo dia que se vai. E que ora sai do mar aos prantos homem feito e sadio de saúde feita de um leito de pedras, cascalho e areia numa praia de frente para o canto do mundo onde sumiu o Sol. Ora leito de cascalho e areia, ora leito de saudade e tristeza, Ora a nossa Senhora.

Pede que o Sol volte e espera, ora há de voltar e todo dia em liturgia acanônica deita-se e espera e chora e quando cai e vê e grita e olha e murmura à lembrança do pesadelo de tudo que lhe atormenta a cama de pedras sabe que não há perdão na terra e que o mar é a penitência de tudo. O Sol volta e ele também.

Ah pescador que eu vi, que alma era essa vestida na pele curtida? Você não era homem, não era gente, você era mártir de um pecado que não era seu. Quanta piedade pode haver mais no mundo se o mundo inteiro é de gente e não de pescador? Ah pescador que eu vi, que me disse que sua santa era minha também, que me disse que sua casa era minha também e que me disse mais do que tudo que o mar era meu também.

Confidência minha e só minha. Não sabia o que era ter o mar. Achava que o mar que era meu pelas suas palavras era meu como era meu o meu sapato, que tolice a minha. O mar era meu como era minha a minha tolice, como era minha a minha vida. Que vida tola eu levava em achar que minhas eram as coisas que não eram parte de mim quando de meu só tinha a alma e o mar.

Ah pescador, a sua alma era tão outra. Não tinha alma de pessoa, tinha alma de poeta. Que gente estranha é essa que coloca a alma de um poeta num pescador e deixa as mãos para manejarem uma rede.  Sorria, pescador, que esse mar sob esse céu é coisa que só os poetas entendem.

E você foi o único que me disse que, dentre os medos dos homens, o único que existe mesmo é o de que a noite engula o Sol e ele nunca mais consiga fugir. E que rezar pelo Sol e esperar que ele volte é o que fazemos ao mar, porque o mar sem o Sol é uma mancha escura. Ah pescador, você sabia que o mar era o espelho do firmamento sem sequer saber o que era o firmamento.

Um dia você me contou que teve medo das estrelas. De noite no barco olhou para o mar e viu o azul escuro abaixo de si repleto de pontos brancos e viu o nevoeiro sair do mar e cobrir como capa o seu barco. Tudo, tudo aquilo, sem nada ao redor, as estrelas tinham escondido o mar de você e tudo que sabia era rezar. Rezou.

Ah pescador, não tenho dúvidas de que se o Sol voltou foi porque você fez a sua prece. Quem me explica essa existência inteira de azul e essa saudade desse sentimento que eu esqueci de sentir por tanto tempo? Quem me explica um poeta num pescador e uma alma que pertence ao mar? Quem me explica isso tudo e me deixa ver um dia morrer sem chorar pela dúvida de amanhã?

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