terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Impressão de um Sol nascente

Ele era uma linha do horizonte. Ele inexistia ali, exatamente ali a meio caminho entre o mar e o céu. Era uma pessoa em um barco que olhava e refletia enquanto vogava à deriva naquele espaço onde só inexistia ele, o mar e o céu.

O barco talvez fosse a coisa mais incompreensível para aquele homem. Não que o céu e o mar não tivessem suas máscaras e seus rostos escusos, mas o barco era algo que ele jamais compreendera sequer ao menos superficialmente. O barco era para ele o mistério dos mistérios.

O homem queria ser uma nuvem. Não simplesmente uma nuvem dessas de algodão doce, mas a nuvem que voasse mais alto do que todas, ele queria estar no topo de todas as nuvens e olhar o mundo do mesmo lugar de onde olha Deus. Mas ele estava preso ao barco.

Um dia tentara ser nuvem. Passou 30 eternidades com os olhos fechados e esqueceu-se de sua condição humana, esquecera seus braços, pernas, suas dores, suas mágoas, suas máculas, suas dores de cabeça, suas cores, suas costelas e suas lembranças.

Esquecera-se de si e do modo que os outros ensinaram a ver-se, esquecera-se dos outros, do ódio e da amargura dos outros. Deixara para trás o peso dos outros e flutuaria como nuvem. Mas deixara também a leveza do amor dos outros. Deixara para o mundo das lembranças abandonadas o sabor de algodão doce, o cheiro de mar e o vento no rosto. Obliterara da sua mente com tamanha raiva a existência alheia que deixara para si apenas metade das coisas a esquecer. A outra metade arrancara e deixara ferida aberta.

Quando abriu os olhos depois das 30 eternidades percebeu que não tinha se tornado nuvem, mas sim onda. Onda de mar fraturada que afundava cada vez mais no abissal sem fundo. Onda que se perdia que se contorcia e que se escorria entre outras ondas e correntes violentas.

Já não era linha do horizonte, mas banalidade corriqueira, sem espírito sem corpo sem inexistência perdida em uma existência medíocre. E tudo se escurecia e se sumia e se soçobrava.

Então ele fechou os olhos por mais uma eternidade.

Flutuou lentamente de volta à superfície, retomou sua forma de gente, sua alma e suas lembranças. Encontrou seu barco e dentro do barco encontrou as coisas que esquecera à força e a força que usara para esquecê-las. Desde então o barco tornou-se seu mistério.

A inexistência se parte em eternidades, se parte em esperas. Parte-se também em esperanças. A inexistência daquele homem naquele barco era uma sucessão de esperanças muito mais do que de eternidades. Esperanças de que um dia entendesse que não era nuvem nem onda mas algo tão distinto que não poderia inexistir senão naquele barco, que só poderia inexistir como linha do horizonte.

Mas esperava também que pudesse existir. Existir não ali, naquele espaço de nada, mas no Sol, que, um dia, esticando os dedos para levantar-se pelo céu e sobre o mar mostrasse a ele que não era nada além de um raio perdido.


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